quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Caridade

A sociedade civil sempre se organizou de modo a criar redes interpessoais de ajuda e solidariedade. A modernidade, ou lá o que foi, trouxe o desmembramento destes laços de entre-ajuda e generosidade.
O individualismo exacerbado que as sociedades modernas passaram a experimentar, mercê de um cem número de factores, atirou pessoas e famílias para a sua sorte, sós e desamparadas.
O Estado, que se queria social, deveria ser o garante último de que nada nunca faltasse a ninguém e providenciasse a ajuda e prestasse a assistência que todos, em especial, os mais desprotegidos, necessitassem. Confiámos todos em que o Estado cumprisse o seu papel de serviço público, de guardião e de fiel depositário de direitos e deveres e os cidadãos demitiram-se do seu papel de vizinho atento, de colega preocupado, de membro de comunidade empenhado... Mas para além da franca incompetência dos sucessivos Estados em prestar os serviços e garantir o bem-estar de todos, a verdade é que nem mesmo querendo, o Estado chegaria a todo o lado. Não se pode exigir que seja o Estado o alerta vigilante de idosos a viver sozinhos, esse era o papel que cabia a amigos, vizinhos e, sobretudo, familiares e que de repente delegaram num Estado com tentáculos inimagináveis!
Esse Estado que exige impostos elevados, que extorque os contribuintes, não tem recursos para assumir as funções de solidariedade social, para as quais devia estar mais habilitado, e como se não bastasse, ainda atira para a miséria uma grande parcela da população, exactamente pela sua acção directa. Ou seja, não só não ajuda quem precisa, como era de esperar, como ainda coloca mais uns quantos em situação de necessidade absoluta.
É a partir daqui, é a partir deste ponto que a solidariedade social, a entreajuda, os laços interpessoais e as redes de assistência voltam a ganhar alento e a ganhar preponderância e peso determinante nas sociedades, pois são cada vez mais os que dependem de instituições de caridade, organizações solidárias civis, igreja, auxílio particular de anónimos...
Ajudar quem precisa é altruísmo, é generosidade, é delicadeza, é amor.
Virar costas a quem passa mal, e quem passa mal é um número cada vez maior, é indiferença cruel, é egoísmo, é maldade, tanto mais, quando sabemos bem que o Estado não vai chegar com esquadrões de salvamento a derramar boa-vontade e recursos.
Não sei por isso porquê tanta discussão em torno da caridade, a caridadezinha que muitos tanto desprezam e ostracizam. O ideal seria haver uma entidade pública encarregue de chegar a quem precisa,  e nunca chegaria a todos, mas na falta dela, ainda bem que há gente de coração imenso e dedicação altruísta que se dedique a assistir e ajudar, a acudir e salvar.
Não é o que realmente importa aqui, que ninguém passe mal??

PS: Muitos consideram os que se preocupam em ajudar os outros, pessoas que procuram protagonismo, usam os desfavorecidos e pobres para a sua promoção social e visibilidade pública. Pode ser, pode haver gente que pense nisso na hora de dar a mão a alguém, afinal, há gente genuinamente boa e sã, e gente interesseira e calculista em todo o lado, mas a verdade é que enquanto vão e vêm, vaidosos ou não, alguém comeu, alguém vestiu umas roupas, alguém recebeu uma visita...

6 comentários:

  1. Singular Morena, com todo o respeito que tu me mereces, espero que permitas que discorde da parte final do teu excelente texto!

    "O ideal seria haver uma entidade pública encarregue de chegar a quem precisa, e nunca chegaria a todos, mas na falta dela, ainda bem que há gente de coração imenso e dedicação altruísta que se dedique a assistir e ajudar, a acudir e salvar."

    Por causa da SôDona Jonet tive uma discussão acesa com um colega de trabalho, quando ele disse que o Estado é que deveria assumir as responsabilidades caritárias da dita Senhora. Bom, talvez até concorde com ele, nesse aspecto, numa sociedade que não seja a ideal. Por isso a minha discordância contigo!
    Numa sociedade ideal não seria tolerável essa carência para alguns, enquanto outros se afogam em abundância! Isto não quer dizer que não valorize e muito, o trabalho da SôDona Jonet, e de todos os seus colaboradores! Trata-se de uma solidariedade indispensável para que menos pessoas passem necessidade.

    beijos.

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  2. Com certeza, tens toda a razão: o ideal não seria haver entidades que cheguem a quem precise, absolutamente; o ideal era não haver quem precise! Estamos tão acostumados com a miséria, com a má distribuição de recursos, com as desigualdades sociais, que até nos esquecemos que isso não é o normal, que até passamos a aceitar isso como 'normal'.
    Em todo o caso, acho que percebes o que quero dizer: não está aqui em causa se devem existir assimetrias sociais gritantes, é obvio que não! Mas a haver, a existirem inequivocamente e com grande evidência, e não sendo o Estado capaz de lhes acorrer, menos mal que alguém se preocupa em ajudar.

    Beijinho

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  3. Texto sublime.
    Estou completamente de acordo.
    Beijos

    Miguel

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  4. Também não percebo o porquê de tanta polémica, se não fosse a solidariedade e a caridade, já haveria gente a morrer à fome, se a ajuda é desinteressada ou não, não sei, e não me interessa.
    Boa noite
    Maria

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  5. Mais valia o Estado se preocupar e empenhar em não deixar que franjas da sociedade cheguem a situações limite de carência, o que se gasta em auxilio e assistência, gastar em educação, formação, investir nas populações, criar emprego e investimentos com futuro e utilidade... como não sabem como fazê-lo, ou não querem, gastam rios de dinheiros públicos em apoios sociais que são manifestamente insuficientes e não tiram ninguém da miséria.

    Gostei do texto.
    Duarte

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  6. Olá Duarte.
    Essa é que é a questão: a, mesmo que deficitária, solidariedade que o Estado presta, absorve recursos e erário público que seria muito mais profícuo se investido com sensatez em estratégias pensadas para evitar que camadas da sociedade mergulhassem em situação de miséria.
    Bem sei que a teoria é bem mais fácil que a sua aplicação prática e que a discussão em torno desta questão tem barbas e bem grandes e parece nunca ninguém ter deslindado a formula de evitar que a miséria se instale em certas camadas da sociedade e vire crónica.
    Em todo o caso é bem verdade que o esforço dos governos que temos tido no nosso país parece ser praticamente inexistente!! Não acautelando problemas a montante, têm de os remediar, mal remediados, a jusante. Sempre assim foi, sempre assim há-de ser, está visto!!! E a sociedade civil é chamada a intervir, porque o Estado é incapaz de fazer frente a necessidades crescentes de acções solidárias e de assistência.
    Um beijinho

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